Aclamação maçônica
A⸫ G⸫ D⸫ G⸫ A⸫ D⸫ U⸫
ACLAMAÇÃO MAÇÔNICA
O RESGATE DA PALAVRA
Com
o passar dos séculos, a palavra primitiva que compunha nossa saudação ritual
foi esquecida, sendo substituída por outra de som semelhante, mas de sentido
obscurecido. Assim, o gesto permaneceu, mas o símbolo esvaziou-se. Quando a
palavra se cala e o gesto já não carrega seu verdadeiro significado, o ritual
corre o risco de tornar-se mera repetição. Por isso, em nome da Luz que
buscamos e da Verdade que veneramos, propomos restaurar o sentido da saudação,
elevando-a ao seu mais nobre propósito: afirmar,
com plena consciência, o compromisso com a Obra.
O Ritual é o fio de ouro que une o
invisível ao visível.
A Palavra, quando pronunciada com intenção pura, transcende
o som e se torna Ação. Ressurtida de um passado encoberto pelo diáfano véu do
escoamento do tempo — onde ecos se dissolvem, palavras se corrompem e sentidos
adormecem —, surge a proposição de restaurar uma saudação esquecida, não como
simples arqueologia ritual, mas como um gesto vivo de reconexão com a essência da Obra —
não por falta de uso,
mas por excesso de ruído.
Como costume, ao iniciarmos e encerrarmos nossos trabalhos,
exclamamos três vezes palavras como:
"Huzzá!", "Huzzé!"
ou variantes afins.
E o fazemos com entusiasmo, com vigor, com alegria.
Entretanto, propomos algo além da exultação.
Propomos o sentido.
Propomos a continuidade.
Propomos a lembrança de quem somos.
A palavra Huzzé, usada como exclamação ritual no Rito
Escocês Antigo e Aceito (REAA), tem origem incerta segundo todas as referências
existentes, desde um passado remoto até os dias de hoje. Não aparece nos
primeiros rituais simbólicos de 1804, mas surge em 1820 em rituais belgas com a
grafia Houzzai, transcrição fonética
francesa de Huzzah, termo inglês. Em
1872, Albert Pike adota a forma Huzza,
e Mackey a registra como saudação maçônica, mas é impreciso quanto a sua origem e significado⸫.
Segundo dicionários
em diversas línguas, huzzah é uma
interjeição de alegria, encorajamento ou saudação, invariavelmente dando como
sua origem no uso naval e militar dos séculos 17 e 18, comparável a hurrah. No contexto maçônico, a
aclamação pode ter sido herdada do Rito de Heredom, ligado aos exilados
jacobinos e às tropas de Frederico II da Prússia. Apesar de haver
interpretações esotéricas sobre seus efeitos em Templo, historicamente trata-se
apenas de um grito de aclamação ritual, tal como “Vivat, vivat, vivat” ou
“Liberdade, Igualdade, Fraternidade” em outros ritos.
A presente Peça de Arquitetura trata-se de uma busca por unidade semântica
e fonética entre textos sagrados e práticas rituais.
I. A Palavra “‘Oséh” (עֹשֶׂה) – O resgate
Embora
não seja uma religião, nem uma seita, a Maçonaria opera no plano simbólico,
e por isso recorre a narrativas, personagens e expressões extraídas das
Escrituras (especialmente do Antigo Testamento) como veículos de
ensinamento moral, ético e iniciático.
A Bíblia, o “Livro da Lei” para a Maçonaria — particularmente no Rito Escocês Antigo e Aceito —, é vista como um livro de sabedoria tradicional, referência de lei moral, e repositório de arquétipos simbólicos, e não necessariamente como um texto sagrado confessional. Ela é uma das "Três Grandes Luzes da Maçonaria", ao lado do Esquadro e do Compasso.
"‘Oséh" vem do verbo hebraico עָשָׂה (asáh), que significa: fazedor, construtor, realizador, agente, operante, restaurador, isto é, um estado contínuo de criação.
A
Escritura nos diz:
“Benditos sejais vós do Senhor, que fez os céus e a terra.” (Salmo 115:15):
בְּרוּכִים אַתֶּם לַיהוָה, עֹשֵׂה שָׁמַיִם וָאָרֶץ
בְּרוּכִים (Berukhim) – Benditos, אַתֶּם (Attem) – Vós, לַיהוָה (LaYHVH) – do Senhor,
עֹשֵׂה (‘Oséh) – que fez, שָׁמַיִם (Shamayim) – céus, וָאָרֶץ (Va’aretz) – e a terra
“Ele fez a terra pelo seu poder,
firmou o mundo com sua sabedoria, e estendeu os céus com seu entendimento.”
(Jeremias 10:12)
עֹשֶׂה אֶרֶץ בְּכֹחוֹ, מֵכִין תֵּבֵל בִּתְבוּנָתוֹ;
וּבִתְבוּנָתוֹ נָטָה שָׁמָיִם
עֹשֶׂה אֶרֶץ בְּכֹחוֹ (ʿōśê
ʾāreṣ bəḵōḥō) – Faz /a terra /com
sua força מֵכִין תֵּבֵל
בִּתְבוּנָתוֹ (mēkônēn tēbēl bəḇināṯô) – Estabelece/o mundo habitado/com sua sabedoria
וּבִתְבוּנָתוֹ נָטָה שָׁמָיִם (ûbiṯəḇûnāṯô
nāṭâ šāmayim) – E com sua
inteligência/estendeu/os céus
“Aquele
que faz justiça ao órfão e à viúva.” (— Devarim
(Palavras) / Deuteronômio 10:17-18 – (Tanakh)
עֹשֶׂה מִשְׁפַּט יָתוֹם וְאַלְמָנָה
עֹשֶׂה (‘Oséh) faz /aquele que faz –
מִשְׁפַּט (mishpát) justiça / juízo – יָתוֹם (yatóm) órfão –
וְ (vê) e – אַלְמָנָה (almaná) viúva
Nestes versículos, o termo ‘Oséh
é usado para descrever o Grande Arquiteto do Universo como o Agente ativo, o
Obreiro Sagrado da Criação, o Restaurador.
Mas o mesmo termo designa também o homem justo, o sábio, o que age com retidão
— o Iniciado
II. Significado esotérico de “‘Oséh”
No
empenho em demonstrar uma saudação iniciática (e não uma exclamação
eufórica), "‘Oséh" vem oferecer um valor simbólico poderoso,
especialmente se inserido na linguagem ritualística da Maçonaria:
Palavra |
Origem |
Valor esotérico possível |
Huzzé! |
Inglês arcaico |
Brado de ação,
afirmação da vontade (exotérico) |
Osé! |
Hebraico bíblico |
Aquele que faz,
realiza — o artesão divino (esotérico) |
III. Um paralelo iniciático: do mito à aclamação
Etapa |
Personagem |
Palavra |
Significado |
Realização |
Hiram |
‘Oséh |
Forja da
criação |
Assim,
é formada uma aclamação iniciática de natureza transformadora, não
apenas comemorativa. É algo como um grito contido de continuidade — um
sinal entre Iniciados de que a obra ainda está em curso.
A
exclamação עֹשֶׂה (‘Oséh),
repetida três vezes como proclamação
maçônica — praticada pelos antigos Construtores
Especulativos e, possivelmente, também pelos Operativos — foi encoberta por
Huzzá, em um palimpsesto sonoro e simbólico que revela, sob nova roupagem, ecos
do verbo ancestral. No entanto, sua retomada não apenas respeita a fonética e o
ritmo característico dos ritos, como também restaurar um profundo sentido de continuidade e propósito criador,
em contraste com aclamações desvinculadas de raízes autênticas.
IV.
A TRÍPLICE REPETIÇÃO
Por
isso, propomos que, em vez de uma aclamação genérica, possamos repetir, em
uníssono, com força e vigor a exclamação “Osé!”, tornando-a então a voz da Oficina como um
todo, proclamando: “fazemos”, “estamos fazendo”, “somos construtores”.
A ação de cada Obreiro se funde na ação maior da Loja, num esforço conjunto de
edificação moral, espiritual e simbólica.
Osé! Osé! Osé!
(עֹשֶׂה – עֹשֶׂה – עֹשֶׂה)
(Laboramos! Laboramos! Laboramos!)
Cada repetição marca um grau:
· O primeiro Osé! é a Intenção, a tradição (trabalho ritual, alquimia interior),
· O segundo Osé! é a Ação, a continuidade (“labor” era comum tanto entre os antigos quanto entre os fundadores especulativos),
· O terceiro Osé! é a Consagração, a elevação e a exaltação da persistência do Obreiro que compreende que a Obra é infinita.
V. O DESAFIO DA AÇÃO
Na
cabala
- A raiz ע-ש-ה (Ayin-Shin-He)
está associada ao Mundo de
Assiyah (עשיה), o mundo da Ação, o mais "baixo" dos
quatro mundos cabalísticos (Atziluth,
Beriah, Yetzirah, Assiyah).
- Assiyah é o plano onde a força divina se materializa. É
onde o Iniciado atua.
Em
termos cabalísticos, Oséh é o ser consciente atuando no mundo de Assiyah, agindo como co-criador com
o Eterno.
Segundo
a Cabala vivemos no mundo de Assiyah
— o mundo da ação, da matéria, das escolhas. É nele que o Maçom revela sua Luz.
Ao aclamarmos com "Osé! – Osé! – Osé!", não celebramos uma
vitória — afirmamos um Compromisso.
Não
se trata de uma simples saudação, mas de uma afirmação ritualística da
identidade ativa do Maçom. É a consciência de que a Obra não está
terminada, de que o Templo ainda se ergue — dentro de nós e entre nós.
Assim,
ao bradarmos “Osé!, Osé!, Osé!”, reafirmamos nossa missão, em Templo
e fora dele ainda laborando — no mundo, no silêncio, na pedra.
Lembramos a nós mesmos que a Loja não se fecha:
Ela continua em cada gesto nosso lá fora,
em cada palavra justa, em cada pedra que deixamos menos bruta que ontem.
Na afirmação de quem reconhece que o
Templo não está concluído,
mas segue sendo erguido,
pedra a pedra,
silêncio a silêncio,
por mãos que laboram.
Osé! Osé! Osé!
Que a Luz se renove na Obra de cada um.
Autor:
Valton Sergio von Tempski-Silka – Past Master R⸫E⸫A⸫A⸫, M.M.M. York Rite, Past Gr⸫ Sec⸫
RRel⸫ EExt⸫
na G⸫L⸫P⸫ - Or⸫Curitiba-PR, Brasil - https://omitoeaperacarmen.blogspot.com/
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Fontes:
King James Bible; The Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania; Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry – Albert Pike, 1872; An Encyclopaedia of Freemasonry and its Kindred Sciences – Albert G. Mackey, 1873 and 1878; Rituais (Port.; Ing.; Fra.) diversos do REAA. Ilustrações geradas por meio de IA.
⸫ “Hoschea (Hōšēa: heb.,
הוֹשֵׁעַ, “Oseias”, um nome próprio significando “Salvação”- N.do A.). The word of acclamation used by the French
Masons of the Scottish Rite. In some of the Cahiers it is spelled Ozee. It is, I think, a corruption of
the word huzza, which is used by the
English and American Freemasons of the same Rite.”– Albert G. Mackey, p.
350, 357. Trad.: A palavra de
aclamação usada pelos maçons franceses do Rito Escocês. Em alguns dos Cahiers, é soletrada Ozee. É, creio eu, uma corruptela da
palavra huzza, usada pelos maçons
ingleses e americanos do mesmo Rito. – An Encyclopaedia of Freemasonry and its
Kindred Sciences – Albert G. Mackey, 1873 and 1878, p. 350, 357.